Cuidemos de nossos adolescentes

14 de dezembro de 2022

Quando minha filha entrou na adolescência e passou a participar do grupo de adolescentes da igreja, esse grupo estava em fase de transição e o casal que liderava já não tinha tempo para dedicar-se a eles.
Minha filha estava desanimando de ir à igreja e fui conversar com o pastor que disse que estava ciente do problema e perguntou se minha esposa e eu gostaríamos de assumir a direção do grupo. Foi aí que a paixão e o interesse por essa etapa do ciclo vital se incrementaram. Hoje, meus netos estão na adolescência, mas continuo gostando muito de trabalhar com adolescentes, especialmente no consultório.
Foi a partir de nosso trabalho clínico que observamos que durante a pandemia da Covid-19 o grupo mais afetado emocionalmente talvez tenha sido justamente o dos adolescentes.
Segundo Oliveira et all.1,
A situação pandêmica pode provocar irritabilidade e medo de que os membros da família possam se contaminar. Além disso, o caso das mudanças provocadas pela puberdade e a situação de distanciamento social (fechamento das escolas e nenhuma atividade de interação com pares, por exemplo) fazem com que os adolescentes avaliem negativamente seu status no grupo e nos relacionamentos interpessoais. Esses dois aspectos são essenciais na adolescência pois provocam um movimento de afastamento da família e aproximação com os pares, mas que com a pandemia podem provocar frustração, irritação, desconexão emocional, nostalgia e tédio por causa do distanciamento social.
O primeiro grande impacto que a pandemia trouxe foi do isolamento social. A adolescência é uma etapa do ciclo vital demarcada pelo incremento da socialização. Segundo Calligaris (2000)2 o adolescente tem uma dimensão gregária muito forte, ou seja, forma grupos com pessoas de mesma fixa etária e possui um mesmo estilo: vestir-se da mesma forma, partilhar gostos comuns e buscar atividades que possa realizar junto com outros. Muitos deles se comportam de maneira rebelde e se sentem mais valorizados no grupo do que na própria família.
Ao ser privado do convívio com os pares em função do distanciamento social e ao mesmo tempo ver aumentar compulsivamente o convívio dentro de casa, com maior contato com a família, o adolescente sentiu um grande deslocamento social, que foi parcialmente compensado pelas redes sociais.
O isolamento dos amigos ao longo do tempo, a incerteza sobre o futuro tanto a curto como a longo prazo, bem como um contínuo estado de medo, tal como o medo de ser infectado, tudo isto tem demonstrado constituir um risco para o desenvolvimento da psicopatologia na juventude3 (p. 114-115)
Em alguns estudos o incremento da convivência familiar também fez aumentar a violência intrafamiliar4, pois a pouca habilidade parental de lidar com as demandas de interação do adolescente com seus pares, que ficou reduzida às redes sociais, gerou um incremento de estresse e um desembocar, não poucas vezes, em condutas violentas por parte dos progenitores.
A necessidade gregária dos adolescentes foi canalizada totalmente para as redes sociais durante a pandemia e muitos pais viram isso como ‘perda de tempo’, ‘desvio de foco’, ‘vagabundice’, etc., mas não como uma necessidade emocional dos filhos.

Outro grande impacto que a pandemia teve sobre as emoções dos adolescentes foi o convívio próximo e imediato com a finitude da vida. A morte é um tema distante na vida da maioria dos adolescentes. Eventualmente perdem um avô ou, acidentalmente, um conhecido. Porém a pandemia trouxe no seu esteio uma quantidade impactante de mortes, e boa parte delas de pessoas próximas: familiares diretos, amigos, colegas, familiares de colegas, professores etc. Lidar com essa proximidade trouxe alterações emocionais para a maioria dos adolescentes, que tiveram que lidar com elementos que eram distantes do seu imaginário. Para o adolescente, é como se a morte não existisse: há uma vivência de onipotência em sua força total.5

 

O impacto destas mortes na vida dos adolescentes é imprevisível, podendo levar desde o fechamento em si mesmo para evitar sofrimentos até uma busca teleológica mais profunda. Os pais devem estar atentos aos efeitos de tais impactos a fim de auxiliar quando surgirem sintomas disfuncionais, para que os mesmos não venham a ter uma cronificação posterior.
Outros sintomas, tais como depressão, aumento da irritabilidade, desconexão emocional e estresse pós-traumático foram encontrados em estudos produzidos em meio ao auge da pandemia6. Esses sintomas também merecem a atenção de familiares e educadores.
Enfim, podemos nos perguntar: “O que a Igreja de Cristo pode aprender com o que passamos e o que pode fazer pelos adolescentes nesse tempo de pós-pandemia?”.
Em primeiro lugar, creio que podemos deixar de olhar para os adolescentes como ‘grupo problemático’ ou estigmatizando com sutis deboches como chamá-los de ‘aborrecentes’ e entender que essa fase do ciclo vital é riquíssima e essencial na aquisição de valores e uma identidade bem ajustada.
Em segundo lugar, prover um espaço de conexão para atender a demanda gregária característica da idade. Na medida em que os adolescentes não encontram um grupo de pares dentro da comunidade cristã, irão procurá-los em outros grupos (escola, vizinhança, etc.) que nem sempre terão valores de vida saudáveis. E promover esse espaço não é somente ter um grupo que se reúne no espaço físico da igreja – antes é criar um ambiente que seja agradável, receptivo, acolhedor e especialmente atraente, onde os adolescentes possam sentir-se seguros para se expor, sem ser criticados, zombados ou desqualificados. Acima de tudo um ambiente onde seus pares e seus líderes tenham valores consoantes com o Evangelho.
Por fim a igreja pode oferecer uma resposta para o sentido da vida e sua finitude. As angústias em relação à proximidade da morte despertadas na pandemia precisam de respostas que produzam uma redução da ansiedade nas emoções do adolescente e nada melhor que a Palavra de Deus para proporcionar isso.
Estudos bíblicos bem elaborados, incentivo à pratica devocional e à oração diária são poderosos instrumentos de auxílio aos adolescentes nesse momento.
Que estejamos atentos a esse grupo importante dentro de nossas comunidades. Dentre esses adolescentes será formada a liderança do futuro que assumirá a responsabilidade por dar continuidade à comissão de levar todo o Evangelho, a todo homem e ao homem todo!
  • Carlos “Catito” Grzybowski é psicólogo e terapeuta familiar, coordenador de EIRENE do Brasil. É autor de Acontece nas Melhores Famílias, Como se Livrar de um Mau Casamento, Macho e Fêmea os Criou, Pais Santos, Filhos Nem Tanto, entre outros.
Notas
1- OLIVEIRA, Wanderlei A., SILVA, Jorge L., ANDRADE, André L. M., MICHELI, Denise D., CARLOS, Diene M. e SILVA, Marta A. I., A saúde do adolescente em tempos da COVID-19: scoping review, Cad. Saúde Pública 2020; 36(8): e00150020, p. 5-8.
2- CALLIGARIS, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Folha Explica, 2000.
3- GASPAR, Tania., GASPAR, Suzana, GEUEDES, Fábio B., CERQUEIRA, Ana, BRANQUINHO, Cátia, TOMÉ, Gina, REIS, Marta, FREITAS, Joaquim C. e MATOS, Margarida G.,  Estudo dos fatores sociais e pessoais relacionados com os sintomas depressivos na adolescência na Pandemia COVID-19, Análisis y Modificación de Conducta, 2022, Vol. 48, Nº 177, 113-129
4- MARQUES, E.S., MORAES, C.L., HASSELMANN, M.H., DESLANDES, S.F., REICHENHEIM, M.E., A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, 2020; 36(4):1-6.
5- KOVÁCS, M. J., Educação para a morte, Psicologia ciência e profissão, 25 (3), 2005, p. 492.
6- LIANG L, REN H, CAO R, HU Y, QIN Z, LI C, e MEI, S., The effect of COVID-19 on youth mental health. Psychiatr Q 91, 841–852 (2020).