Por Fabiano Pedroso
Isaías 53:1-12
A Páscoa cristã sempre foi motivo de esperança e celebração, pois foi durante esta festa que Cristo venceu a morte. Essa vitória do Senhor da vida, que é Cristo, deve ser sempre celebrada, pois ela é a razão da nossa fé. No entanto, a Páscoa também é sofrimento e dor para aquele que entregou a sua vida e que teve seu sangue derramado nos umbrais do mundo. Essa dor muitas vezes é esquecida em meio a alegria, mas é pela sangue do cordeiro, vertido depois de muito sofrimento, que somos salvos. Páscoa, é então, antes de tudo, sobre salvação e dor.
Em Isaías nós temos os 4 poemas do Servo Sofredor (Is 42:1–4; 49:1–6; 50:4-9; 52:13-15, 53:1-12), Isaías 53 é o últimos destes poemas e descreve o Servo como uma figura misteriosa que sofre intensamente por causa dos pecados do povo, mas cujo sofrimento resulta em redenção e restauração. O contexto histórico é o exílio babilônico, onde Isaías profetiza sobre o futuro sofrimento e redenção de Israel. Este capítulo é disputado porque algumas interpretações judaicas o veem como uma referência ao povo de Israel em vez de um indivíduo, enquanto nós cristãos o consideramos uma profecia messiânica que se cumpriu em Jesus Cristo. Na verdade, o texto parece ser uma profecia de duplo cumprimento, com um significado imediato e um segundo oculto e futuro que aponta para Cristo, o *Sensus Plenior do texto. Resumindo, Isaías 53 é um poema complexo e rico em simbolismo e significado teológico, retratando o sacrifício redentor que é central tanto para a fé judaica quanto para a cristã.
* Sensus Plenior – Em exegese bíblica, a expressão sensus plenior (do latim “sentido mais pleno”) é usada para descrever o “um sentido mais profundo do texto, desejado por Deus, mas não claramente pelo autor humano”. Contrapõe-se ao sentido literal.
Os primeiros versículos começam descrevendo que a mensagem de anunciação do Servo Sofredor foi rejeitada no tempo de Isaías, assim como o próprio Cristo seria rejeitado mais tarde (Jo 12:38; Rm 10:16). Mesmo sendo Jesus o Verbo encarnado (Jo 1:1), o braço do Senhor que cresce como um broto tenro e a raiz saída de uma terra seca (Is 53:1-2), as pessoas o rejeitaram. Jesus foi adorado e reconhecido como o Messias por alguns, mas foi ignorado e perseguido por muitos mais. Para os judeus de sua época, Ele era considerado menos valioso até mesmo do que um dos cordeiros sacrificiais do Templo. Estes eram os animais mais bem cuidados de todo Israel, pois pastavam nos campos de Davi vigiados pelas Torres do Rebanho (Mq 4:8) enquanto comiam os melhores pastos e quando sua hora era chegada eles eram enrolados em panos nas manjedouras (Lc 7:7) para serem carregados, perfeitos e imaculados, em uma entrada triunfal em Jerusalém (Jo 12:12-13) para enfim serem mortos. Jesus, como o cordeiro perfeito do Senhor, teve que sofrer bem mais para trilhar o mesmo caminho.
A Expiação pelos Pecados (Isaías 53:4-6):
Que imagem brutal e que significado maravilhoso o profeta nos apresenta neste segundo momento do poema. O pecado é uma chaga que entra fundo no nosso coração e a sua remoção e cura cobram um preço muito alto, imensamente alto. Esse é o centro deste poema, a revelação de que o rejeitado Servo Sofredor é o único que necessitamos. Nos desígnios de Deus, a salvação implica um custo extremamente elevado, marcado por intensa dor. Este é o *querigma da mensagem da Páscoa, onde a salvação é alcançada apenas por meio do sofrimento intenso de um inocente e do derramamento de seu sangue. No Egito, foram os inúmeros cordeiros cujo sangue foi passado nos batentes das portas que salvaram o povo do anjo da morte e os libertaram da opressão do faraó (Ex 12:21-28); e em Cristo, é o seu sangue derramado na cruz que banha os nossos corações, nos resgatando de nossos próprios pecados e da nossa condição (Hb 9:11-12).
* Querigma – 1 O núcleo essencial da mensagem cristã. 2 Transmissão dessa mensagem a quem não é cristão, com o intuito de convertê-lo. 3 No Novo Testamento, cada uma das passagens da tradição oral que evidenciam uma forma de anúncio religioso.
O Silêncio do Servo (Isaías 53:7-9):
O silêncio do Servo Sofredor durante seu sofrimento e morte é um aspecto intrigante desta profecia. Ele não protesta nem se defende, mas aceita seu destino sem se agitar. Esse silêncio reflete a submissão absoluta à vontade de Deus por Jesus Cristo durante seu julgamento e crucificação.
É difícil ignorar que a única grande metáfora neste poema envolva ovelhas, animais fundamentais de sacrifício. O Servo está para ser ferido por conta das transgressões de seu povo (Is 53:8), e irá para o matadouro como um cordeiro. Se o profeta não quisesse que seus leitores pensassem em termos de sacrifício, certamente cometeu um grande erro na escolha de suas metáforas. Muitos comentaristas bíblicos concordam que este versículo é a fonte primordial da exclamação de João: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).
Triunfo sobre a Morte (Isaías 53:10-12):
A passagem conclui com uma nota de esperança, revelando que o sofrimento do Servo Sofredor não é em vão, Ele triunfa sobre a morte e é exaltado por Deus! Essa vitória nos concede uma recompensa imerecida que desfrutamos somente em Jesus e através de Jesus. No seu sofrimento e dor Ele nos concedeu acesso ao Pai e a possibilidade de desfrutar uma vida eterna sem sofrimento.
Este poema é sobre a inesperada verdade que o poder do braço de Deus não é o poder para esmagar o inimigo (pecado), mas o poder, quando o inimigo tiver esmagado o Servo, que retribui com amor e misericórdia. O Servo toma sobre si o pecado de Israel e do mundo, e, como o bode expiatório (Lv 16.22), leva embora de nós aqueles pecados para o deserto.
Conclusão:
Jesus Cristo se levanta da mesa na Páscoa, e essa é então a Páscoa mais estranha da história. Há vinho. Há pão. Mas não há cordeiro sobre a mesa porque o Cordeiro de Deus estava sentado à mesa. O Filho do Homem, o próprio Cristo se entregou voluntariamente, sentiu dor e sofreu calado, injustamente para que tivéssemos redenção. Seu sofrimento nos salvou.
A narrativa do Servo Sofredor em Isaías 53 e sua relação com a Páscoa como o sofrimento do Cordeiro nos convida a contemplar profundamente o sacrifício de Jesus Cristo. Seu sofrimento nos conforta, pois nas noites mais sombrias e nos dias mais difíceis, podemos nos achegar a Ele, sabendo que Ele compreende a nossa dor, pois Ele mesmo a experimentou. Ele enxuga as nossas lágrimas, pois também chorou. Ele nos ajuda no vale da Sombra da Morte, pois teve que trilhar o seu próprio caminho para a morte. A experiência de dor de Jesus é o que nos dá a certeza de que Ele pode aliviar a nossa dor. Seu exemplo de amor sacrificial e sua vitória sobre a morte oferecem esperança em meio às nossas próprias tribulações.
Que possamos encontrar consolo na verdade de que, assim como o Cordeiro Pascal libertou os israelitas da escravidão, Jesus Cristo nos liberta do poder do pecado e da morte, concedendo-nos vida eterna através de sua ressurreição. Que a celebração da Páscoa nos lembre sempre do grande amor de Deus por nós e de todo o preço que Ele pagou para no redimir em Cristo Jesus. Amém.