Por P. Gerson Joni Fischer
Entre as muitas perguntas que fazemos a nós mesmos e a outros, uma das que retornam sempre de novo é: “o que vem depois da morte?” Em tempos mais difíceis, ela reaparece com muita força. Os esforços humanos por respondê-la são igualmente persistentes, não havendo, até hoje, unanimidade a respeito. Por mais que procuremos propor explicações racionais para essa questão, o fato é que incertezas sempre estarão envolvidas no que pensamos e falamos sobre o assunto. Um quê de mistério envolve a realidade da morte e do que vem depois, a exemplo de um manto que encobre aquilo que se encontra abaixo dele.
Muitos encaram a morte com o ponto final de tudo o que se pode pensar e desejar acerca da vida; são pessoas céticas em relação ao que se diz sobre o que virá depois. Outros tantos não se conformam com o fim de sua existência aqui na terra, a ponto de caírem em desespero em face a ele. Há, ainda, aqueles que encaram a morte com boa dose de serenidade e expressam convicção quanto a sua esperança na vida eterna. Na era moderna, em que uma comunicação global e em tempo real foi possibilitada, a falta de sentido da vida diante do morrer se apresenta de modo dramático para um sempre maior número de pessoas. Ela não se encaixa com a vida boa e de qualidade possibilitadas, ainda que limitadamente, pelas ciências e as tecnologias postas à nossa disposição. Prolongar a existência é hoje o lema de homens e mulheres e, quando algo não se encaixa neste propósito, a frustração os invade pela “porta dos fundos”. Angústias em tons diversos se apoderam de nós quando a vida se apresenta ameaçada. É difícil enfrentar a insegurança ou a proximidade de seu fim; sempre foi assim. Acompanho como pastor, a profunda tristeza que toma conta de familiares diante da perda de um ente querido. Em meu próprio círculo mais próximo de relacionamentos tivemos duas experiências recentes, em que nos despedimos de pessoas que amávamos. O aparecimento de alguma doença grave e de tratamento difícil é exemplo que nos toca e que tira “o chão de nossos pés”. E, apesar de tudo isso, que grande ânimo e consolo observo correr em minhas próprias “veias”, ao presenciar tantos que enfrentam a morte com alegre e confiante expectativa de uma vida para além, já vivida aqui e agora enquanto promessa.
Apesar de todos os esforços que se tem feito para responder à pergunta a respeito do que nos aguarda “após a morte”, admitamos que tal panorama é e permanecerá para nós um mistério. Trata-se de uma espécie de porta fechada, diante da qual as melhores explicações serão sempre insuficientes. Reiteramos, porém, o que já procuramos dizer: diante deste fato uns abraçam esse mistério com sóbria expectativa, enquanto outros desanimam. Por vezes, em maior ou menor intensidade, essas experiências contrastantes podem aparecer em uma mesma pessoa; ora confiamos, ora cedemos à tentação de nos tornarmos céticos. Quem espera a vida para além não o faz com base em alguma prova materializada a esse respeito, mas em confiança diante do enigma; corresponde à “certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.” (Hebreus 11.1). Um termo mais adequado a ser usado para o assunto seria o do vislumbre. Apenas podemos entrever o que se encontra para além da morte. O suficiente, entretanto, para firmarmos a nossa confiante esperança, a ponto de se tornar possível manter o nosso vigor no tempo presente até o limiar da morte. A fé se experimenta como uma certeza firmada em promessa, não em dados empíricos advindos diretamente de nossos sentidos.
E por que vida, seu fim e a vida além se apresentam desse modo? O apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, afirma algo a esse respeito que bate com o que todos nós experimentamos como um acontecimento de cada dia. Ele compara o morrer como o maior de todos os nossos inimigos. “O último inimigo a ser destruído é a morte”, escreveu ele (1 Co 15.26). Ela é uma sombra que nos acompanha, um ferrão que provoca intenso sofrimento, afetando nossa identidade e nossos projetos pessoais. Até certo ponto e dependendo de condições favoráveis, uma pessoa pode, no decorrer de toda a sua vida, exercer um domínio mais ou menos satisfatório sobre si mesmo, mantendo a sua autoestima com muita determinação. Todos conhecemos pessoas que nunca “baixam a guarda”. Mas em relação a morte não é assim. Lembro-me de ter conhecido uma médica e professora que se apresentava sempre de modo resoluto. Mas perto do fim de sua existência, observei que se assemelhava a todos os “meros mortais”, sem projeto e perspectiva de vida. A “porta fechada” do término da existência ninguém abre, especialmente quando a fé, a esperança e o amor ao próximo e a Deus não se caracterizam como uma experiência pessoal.
É por isto que reaparece sempre de novo, como um fenômeno teimoso, a indagação que nos coloca em xeque: o que vem depois? Se apresenta como um “grito silencioso” de socorro: quem nos abrirá essa tranca, que pode curar as feridas deste “ferrão que penetra fundo nossa carne”? Somente o vislumbre do eterno vindo ao nosso encontro pode nos manter confiantes, serenos, atentos à própria vida, bem como a dos nossos semelhantes. Em resposta a esse questionamento que nos é comum, o apóstolo citado testemunhou: “Miserável homem que eu sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Romanos 7.24-25). O auxílio para encarar o lado de cá e antevermos o lado de lá, vem de fora. Encontra-se para além de nossas possibilidades. Vem de Deus.